Ônibus da Viação Fervima em um ponto de ônibus localizado na Praça Nicola Vivilecchio, sentido centro, na cidade de Taboão da Serra - SP.

OPINIÃO: ANTES DA TARIFA ZERO

Desde o fim das eleições de 2022, o tema “Tarifa Zero” ganhou ainda mais impulso nas temáticas que giram em torno dos assuntos sobre mobilidade urbana, em especial na mídia tradicional, fomentada pela equipe de transição do novo governo federal que assume sua gestão a partir de 01 de Janeiro de 2023.

O assunto que passou a ser tratado como prioridade por alguns gestores, instituições políticos e pseudos especialistas da área, escancaram a ausência de senso de realidade, diante dos principais problemas encarados pela sociedade e que desde sempre, não se encontra uma solução. Uma quantidade absurda de gestores públicos vem promovendo um mar de anúncios onde as respectivas pastas de suas cidades destacam promover estudos de viabilidade para implantação do sistema, para poder “dançar conforme a música” aproveitando o impulsionamento do assunto do momento, na tentativa de alavancar seus nomes.

Minha geração assistiu em cerca de 30 anos, a ascensão, a estagnação e a queda recente dos principais sistemas de transporte coletivo por ônibus em todo país causada pela crescente concorrência, em especial de serviços por aplicativos de transporte individual ou pequenos grupos e também pela pandemia de Covid 19, iniciada em 2020 e com resquícios até os dias atuais.

Em uma breve pesquisa, identifiquei Potirendaba, cidade do Estado de São Paulo, próximo a São José do Rio Preto, que possui cerca de 340 km² e 18.000 habitantes (dados atuais) e foi a pioneira na implantação do serviço, em 1998. O serviço que funciona nos dias úteis das 06h às 21h, faz a ligação com os principais bairros da cidade. Apesar de uma frota não muito nova, foi a solução encontrada pelo poder público para implantar o serviço de transporte coletivo municipal por ônibus, que pelo seu tamanho e rotina, não devem ter interessados na operação de suas linhas que transportam cerca de 300 pessoas por dia. Do ano de criação do serviço aos dias atuais, a população cresceu 37% e a demanda, menos de 15%.

Também em São Paulo, cidades como: Agudos, Pirapora do Bom Jesus, São Lourenço da Serra e Vargem Grande Paulista, não possuem cobrança nos seus ônibus municipais.

Já no Rio de Janeiro, as cidades de Porto Real e Silva Jardim também contam com o tarifa zero, além de Maricá, a primeira cidade a contar com o tarifa zero e com população maior do que 100.000 habitantes. Recentemente, Caucaia – CE que possui cerca de 360.000 habitantes, também adaptou seu sistema de transporte coletivo, sendo a cidade com a maior população a contar com a tarifa zero em todo Brasil.

Ao todo, mais de 40 cidades em todo o país, não possuem cobranças de tarifa nas suas redes de transporte coletivo por ônibus municipais, cada uma com uma realidade e uma metodologia diferente.

Antes de expor minha visão sobre o tema, destaco uma fala que sempre deixo aos meus clientes e parceiros… “No Brasil, grande parte do que é público, tem de a ser movimentado por usuários e consequentemente, é mau avaliado. Se você acha que o seu serviço oferecido precisa de mudanças, tem que entender que o transporte não é público, é coletivo… tratar o cliente como cliente e entender a atenção e a necessidade que ele precisa ao usar seu serviço no dia a dia.”

Se por um lado temos as piores avaliações daquilo que o governo oferece “gratuitamente” aos seus “usuários”, por outro, temos uma grande quantidade de apoiadores movidos pelo assistencialismo do “quanto mais coisas de graça, melhor”.

Toda vez que alguém diz que a tarifa é zero, sem a transparência de como é feito, morre um unicórnio na terra do bom senso.

Isso porque o serviço tem um custo e será pago de um jeito ou de outro, seja pela cobrança de tarifa direta como pelo aumento de impostos ou direcionamento de verbas públicas destes para bancar o custo do serviço.

Analisando brevemente, é possível afirmar que nos municípios que contam com a tarifa zero, as cidades com menos de 40.000 habitantes, a maioria das operações são feitas pela própria prefeitura, porém, o serviço é deficitário e conta com poucos horários e trajetos não tão atrativos. Já as cidades com mais de 50.000 habitantes, tendem a possuir uma maior estrutura de comércios e serviços e a movimentação ser maior, o transporte em grande maioria conta com uma quantidade maior de veículos, trajetos e horário de operação. Neste caso, ocorre com muita frequência, a contratação de empresas especializadas, fornecendo os: coletivos, manutenção e mão de obra.

Em suma situações, ou o custo operação é considerado baixo para um serviço ineficiente ou para ser atrativo, custa caro.

Ao longo dos anos, o setor e seus representantes não teve a capacidade de buscar soluções como por exemplo a isenção de impostos para combustíveis e demais insumos de uma forma geral para todo o país, afim de reduzir ou congelar os valores de tarifa praticados, além de flexibilizar e facilitar mudanças que visam bater de frente com suas concorrências surgidas nos últimos tempos.

Sempre defendi e acreditei que para o uso coletivo, combustiveis e os principais e mais caros insumos usados para o transporte de pessoas, deveriam ser isentos da cobrança de impostos.

Se por um lado, não houve atitude dos representantes do setor, o poder público foi tão omisso quanto… pouca ou quase nenhuma estrutura voltada ao modal e sem a prioridade necessária para o mínimo de funcionamento adequado. A cultura Brasileira de fazer mal feito para refazer depois, fomenta o setor de infraestrutura mas trás prejuízos absurdos aos cofres públicos todos os anos. O maior exemplo disso, é a qualidade do asfalto e dos poucos corredores existentes em sua maioria, nas capitais dos estados.

Coincidência ou não, grande parte das cidades que anunciaram promover estudos sobre o tarifa zero, são aquelas que possuem problemas frequentes na questão de educação, infraestrutura, saúde e segurança, mas quando apontados publicamente, uma das desculpas mais usadas é a ausência de verbas ou tentam contornar a situação com números fantasiosos. Quando vejo anúncios sobre o tarifa zero destas cidades, parece que vivemos em cidades perfeitas, sem nenhum problema visível.

E falando em problemas públicos, o título deste texto tem o intuito de trazer uma reflexão sobre o que realmente devemos esperar dos políticos e das políticas públicas.

Antes da tarifa zero,
Precisamos contar com uma saúde pública de qualidade, onde estrutura, médicos e medicamentos estejam disponibilizados conforme a necessidade da população;
Antes da tarifa zero,
Precisamos contar com escolas de qualidade, onde exista ensino de qualidade e não uma doutrina com agendas ideológicas;
Antes da tarifa zero,
Precisamos deixar nossas forças de segurança mais equipadas, preparadas e presentes para proteger nossa população;
Antes da tarifa zero,
Precisamos de infraestrutura decente, com aparelhos públicos capazes de suprir toda a demanda existente com serviços de qualidade. Saneamento básico, habitação, locais para a prática de cultura e esportes… malha viária decente. Este último, se não existir, tanto na operação paga quanto na “gratuita”, aumentará os custos e irá impactar na qualidade do serviço ofertado.

A tarifa zero não pode sobrepor e muito menos ser usado para apaziguar outros problemas encarados pela sociedade durante tempos que não são solucionados.

Apesar dos benefícios citados nas principais teses por quem defende a implantação do tarifa zero, onde alega o crescimento de demanda, redução de carros nas ruas e até uma possível ampliação no movimento de comércio local, falta a transparência por parte de quem defende, de onde virá os recursos para bancar o serviço, que por sua vez, a principal indicação é o aumento de impostos.

O cidadão e o empreendedor brasileiro está farto de tanto pagar impostos e não contar com nenhum retorno decente para ser usado no seu dia a dia.

Como profissional da área, quero o que seja melhor para o setor onde atuo e não tenho certeza de que esta seja a melhor opção… assim como cidadão, quero o que seja melhor para a sociedade e acredito que não podemos atropelar outras necessidades.

É importante ressaltar que tanto as cidades e sistemas que não dão importância a fidelizar seus clientes e conquistar outros novos, e que também dependem de subsídios públicos, já contaram com situações ao qual os repasses foram atrasados e prejudicaram seu funcionamento. É válido dizer que após a anulação da cobrança da tarifa, o próximo passo é estatizar as operações? Sabemos bem, onde seja por vivência ou pela história, como as estatais tratavam o transporte de forma pior do que é quando concedido para iniciativa privada. Neste caso, uma mera possibilidade com os olhos bem abertos para a realidade.

Será que o tarifa zero trará o diálogo necessário para a melhoria do serviço por ônibus no Brasil? Até hoje, ninguém ousou debater o problema da superlotação nos horários de pico que midiaticamente é culpa apenas das empresas mas ninguém leva o tema para o debate público, transparecendo também a necessidade de ajustar horários de determinados setores da economia e da sociedade para equilibrar a oferta X demanda. A incógnita da solução dos problemas mais comuns do transporte parece não ter fim em nenhuma das modalidades.

Acredito que o tarifa zero deve sim ser implantado, dando garantia de acesso ao transporte coletivo por ônibus em todas as cidades, sem exceção. Cidades pequenas podem ser o ideal na sua aplicação. Em localidades onde o serviço é cobrado, devemos brigar por uma maior qualidade do serviço prestado, envolvendo todos os setores da sociedade em especial, ações que visam oferecer sistemas sadios, dependendo minimamente de subsídios. Sabemos que a tarefa é difícil, mas não impossível e talvez o segredo esteja em flexibilizar questões que molde o transporte a real necessidade de seus clientes.

Vivenciamos um turbilhão de problemas além dos já citados que também merecem atenção, como por exemplo a falta de uma comunicação eficaz e a profissionalização voltada exclusivamente a área. Transparência e valorização profissional também fazem parte desta lista.

Antes de ser “remodelado” nosso setor precisa ser salvo, sobretudo das ações políticas sem consciência que o ronda sem a mínima intenção de progresso.