Validador de tarifas com tela indicando a aceitação de bandeiras de cartão de crédito e débito

A bilhetagem com burocracia em favor da complicação do transporte

Mesmo com tantas burocracias e complicações, o que impede de ativar as facilidades que a tecnologia oferece e ainda, divulgar de maneira ampla, as ferramentas que possam trazer algum conforto e facilidade no dia a dia dos clientes do transporte coletivo?

Era uma sexta feira normal no fim de Janeiro, agenda cheia. No roteiro, São Bernardo do Campo, Sé (Centro de SP), Lapa, Osasco, Pinheiros e finalmente o retorno pra casa. O compromisso em São Bernardo era às 09h… moro em Taboão da Serra, lugar que se de ônibus ninguém anda, imagina de carro? Moto pra mim, nem pensar! Benesses que só quem mora em um bairro às margens do pior trecho crítico-urbano da Regis Bittencourt pode aproveitar.

Saio de casa às 05h30. Chego no ponto 05h35. Percebo os bolsos leves… droga, esqueço os cartões de transporte. O ônibus da linha 079 – Taboão da Serra (Jd. São Judas) X SP (Metrô Vila Sônia) já surge no horizonte, voltar pra pegar os cartões e chegar atrasado ou levar um leve prejuízo com tamanha rota a ser feita durante o dia todo? Minha prioridade é a pontualidade, custe o que custar.

Embarco no ônibus intermunicipal gerenciado pela EMTU… Validador de última geração, com porte para além de ler o cartão destinado ao modal, pode ler QRcode e até mesmo cartões de crédito e débito com tecnologia NFC.

Abro a carteira… R$ 20 solitários junto com alguns cartões de visita (milagre, tem dias que não tem 10% desse valor, pois faço parte do grupo que não costuma andar com dinheiro no bolso) entrego ao motorista. Aparentava ser novo… não tinha troco para debitar os R$ 5,15 da tarifa e pede para aguardar. O ônibus vai ficando cheio, catraca logo na porta de entrada, atrapalho quem quer embarcar com rapidez. Faz mais de 5 anos que não existe mais cobradores na maioria das linhas. Outros 2 clientes também tentam pagar a passagem em dinheiro, sem sucesso. A ausência de valores em trocado faz acumular mais gente na entrada do ônibus e acesso a catraca.

Trânsito infernal. De onde sai tanta gente? Muita gente ou pouca estrutura e falta de planejamento urbano capaz de dar conta a vazão das pessoas? A única certeza é que a falta de flexibilidade nos horários de entrada e saída da grande maioria dos trabalhos existentes atualmente é prejudicial para além do trânsito. O ônibus, mesmo sem prioridade, ainda consegue ser mais rápido que os carros. Neste meio tempo, lembro do leitor de QRcode existente no validador do coletivo e acesso o aplicativo de bilhetagem para tentar fazer a compra da passagem e poder passar a catraca em paz. A modalidade ainda não possui a funcionalidade ativa. Um validador desses é caro. Houve uma intensa campanha em prol do novo sistema de bilhetagem… milhões gastos, para não funcionar completamente e corretamente, vai ver o banco e a gerenciadora que faz controle do novo cartão só estava interessado em criar novas contas digitais… facilitar a bilhetagem, fica em segundo plano, longe de ser TOP!

Chego no terminal metrô. Quase 1h após o embarque. O motorista, sem saber o que fazer, pede para mostrar a nota na câmera e descer pela frente. O mesmo acontece com os outros dois que estavam na mesma situação. Sei lá, acho constrangedor… afinal de contas, posso ser interpretado como “mais um burlando o sistema de pagamento do transporte”.

Já na catraca do metrô, acesso o aplicativo parar gerar o QRcode… aceito. Não era mais cômodo, prático e seguro ter essa mesma funcionalidade no ônibus, já que o mesmo é equipado para aceitar tal tecnologia? Difícil entender.

Sigo da Vila Sônia para o Jabaquara, 50 minutos… chegando lá, mais um embarque, desta vez no corredor ABD. Fila enorme para comprar um bilhete magnético… desses famosos entre os anos 90 e 2000. Nostalgia pura para os saudosistas que deve ter um desses em bom estado guardado em suas coleções. Embarco em mais um coletivo da linha 288 – São Bernardo (Term. Ferrazopolis) X SP (Term. Jabaquara) e mais 50 minutos até meu destino, chegando por volta das 08h30.

A linha 288 é uma das mais frequentes do sistema EMTU, oferecendo partidas a cada 3 ou 4 minutos em média no horário de pico.

Foto: Fábio Trindade

Com tempo hábil para tomar um café na padaria da esquina, peço ele acompanhado de um pão de queijo enquanto zapeio notícias, LinkedIn e alguns E mails.

Faltando 5 minutos para o horário marcado, o parceiro liga informando que quebrou o carro em um buraco na rodovia e que aguardando socorro, iria atrasar mais 1 hora. A falta de estrutura viária não f*de só o ônibus.

Penso se essa 1h era suficiente para voltar em casa e pegar meus cartões? Um pouco mais de sono ou um banho mais demorado, tão desejado nesse calor escaldante que faz por aqui nessa época do ano. Não faço uso de bola de cristal e então, só resta mesmo esperar. Peço mais um suco para se refrescar e passar o tempo.

Às 10h em ponto ele chega. Nos acomodamos para mais um café e tratamos dos assuntos já combinados. O encontro dura cerca de 40 minutos que finalizado, sigo em direção a Praça da Sé… 1h20 para se deslocar até o próximo compromisso, um almoço com um possível novo cliente, ou seja, muito importante. Atravesso a rua para acessar o ponto de ônibus e percebo a bobeira em não ter comprado 2 bilhetes para embarque nos ônibus do corredor antes de embarcar.

Começa ali mais uma saga. São 10 minutos entre se deslocar do ponto para o local, pegar o bilhete e retornar. A linha possui uma boa frequência, mas o embarque poderia ser facilitado… mas onde está o interesse em facilitar quando se quem comanda determinadas pastas não fazem uso do modal? Difícil pra quem usa, empurra com a barriga quem gerencia e não quer ter dor de cabeça para tal. Dado o embarque, 45 minutos até a estação do metrô que conta com filas enormes em suas bilheterias. Sorte que já tenho o aplicativo e consigo gerar o QRCode. 25 minutos até o destino e chego de forma pontual no local de encontro.

Dada as tratativas necessárias, o almoço e as cordialidades, o próximo compromisso é no bairro da Lapa. Embarco na linha 8615/10 – Parque da Lapa X Term. Parque Dom Pedro e já com o dinheiro trocado, facilito meu giro de catraca no coletivo. Saudade do tempo em que era só ir em um terminal ou posto oficial que bastava apresentar um documento oficial que em instantes, conseguia um bilhete único novo, pronto para uso. Complicação em prol da segurança patrimonial da tarifa vinculada. Fazer o que é certo ou o que é mais fácil? Paradigmas que chegam a tirar o sono de quem ainda permite se pensar com bom senso no sistema.

Desembarco. 5 minutos de caminhada, jogo rápido no local. 15h30 precisamos estar em Osasco, cidade vizinha e até com fácil acesso a região. Os trilhos seriam uma salvação? Sim, mas a divindade suprema do transporte deve ter tirado seu cochilo pós almoço e deixou que uma falha ocorresse na linha e com isso, trens circulando com velocidade reduzida, maior tempo de parada nas estações e intervalos irregulares. Acontece, seja público ou privado, nossa malha ferroviária está cheia de defeitos faz anos e apenas uma maquiagem é aplicada para tentar inibir os problemas. Maldito paradoxo do “fazer o certo ou mais fácil” começa a corroer os neurônios junto com o calor.

Consulto linhas intermunicipais que com intervalos tão absurdos, me fazem até questionar se existe a real necessidade de existirem. Intervalos altos no pico, intervalos de fim de mundo no entrepico.

Caminho até o ponto final da linha 8038/10 – Parque Continental X Lapa… o calor é escaldante, e para tentar dar uma sobrevida aos meus neurônios, resolvo comprar uma água e pagar em dinheiro. Lembro que já não tenho mais o suficiente para pagar a tarifa e o caixa eletrônico mais próximo, estava há 3 quadras do ponto de embarque. Olhei para a porta do coletivo que iniciava a viagem e indicava aceitar pagamento de tarifa por QRcode… lembro de ter visto uma matéria que falava da novidade em algumas linhas da cidade e busco até o site do órgão gestor uma nota pobre em detalhes que destacava apenas o número das linhas que por sinal, fazia parte da mesma empresa e em momento algum, não tinha seu nome destacado.

Aplicativo SP Pass, fácil de usar mas poucos coletivos na cidade de São Paulo aceitam a tecnologia.
Foto: Fábio Trindade

Resolvi baixar o aplicativo “SP Pass” que além de gerar o código, também permite fazer recargas em cartões de transporte, motivo esse que possui algumas falhas e causam algumas más avaliações na plataforma de download. Retornando para o QR, selecionei a quantidade de tarifas e consigo fazer o pagamento destes via Pix… rápido e prático, como deveria ser. Apesar da apreensão, deu certo o pagamento da tarifa, que assim como o pagamento via cartão com tecnologia NFC (Por aproximação) também não oferece integração como os cartões convencionais. Já existe tecnologia pra isso, o que impede de ativar?

Chego em mais um compromisso rápido e sigo para o último, em Pinheiros, ao qual necessito chegar antes das 18h, horário que fecha a gráfica ao qual costumo realizar meus impressos. Desta vez, preciso me deslocar até o caixa eletrônico que fica em um shopping, praticamente ao lado do terminal onde embarcava para o último compromisso. +1 vez, não consigo passar a catraca por ausência de troco perante os operadores. Será que as empresas já fizeram as contas do quanto se perde por não disponibilizar de forma facilitada, troco aos seus operadores ou quiçá, embarcar em suas tripulações ou coletivos, aparelhos que facilitem a recarga dos cartões de transporte? Fica aí não só o questionamento, mas também a sugestão, que dificilmente será aceita, já que a regra base para receber o subsídio cheio requer apenas o cumprimento de viagens sem pontualidade e com a frota estipulada, independente da forma que se organiza. Existem linhas tão mal programadas que chego a questionar mentalmente a capacidade da pessoa em realizar tal ato.

Chego no local já no limite do horário… a cara que já não está das melhores faz até o tradicional atendente questionar o tamanho cansaço por tal expressão. Ainda faltam mais 2 ônibus para chegar em casa… cerca de 1h30 (que otimismo para uma sexta feira, não?)


Enfim, chego em casa às 20h45… depois de incansáveis integrações, longas esperas, burocracias e alguns reais gastos com tarifas além do esperado.

Para finalizar este projeto de monólogo, vale levantar a dúvida dos motivos que fazem, dia após dia, a população preferir gastar mais tempo no carro do que ônibus? De se arriscar em veículos 2 rodas, como bicicletas e motos que oferecem grandes riscos devido a vulnerabilidade no trânsito do que encarar o ônibus. Da demanda que migra para serviços de aplicativos, táxis e até mesmo os fretados. Com certeza, situações que escandaram a dificuldade desnecessária no dia a dia, foi o estopim para que muitos migrassem de modalidade… lembro aqui que existe espaço para todos, mas o transporte coletivo por ônibus caminha para um colapso não somente financeiro, mas também moral, por não conseguir oferecer o mínimo de estrutura e facilidades… espero que acordem o quanto antes para que briguem de igual com seus concorrentes para conquistar novos clientes e fidelizar os atuais.

É preciso que o poder público através de suas respectivas pastas representativas e seus órgãos gestores trabalhem em prol da facilidade para a população.

Eu espero que não, mas é preciso levar em conta a possibilidade de que hora ou outra, o dinheiro que subsidia o transporte pode acabar, ou deixar de ser remanejado de outras pastas para seu sustento, como acontece hoje.

Melhor do que ter o subsídio, é estar pronto quando se por ventura ele acabar.

Ainda há tempo. Basta querer.